O termo, não letal,
quando o ouvimos pela primeira vez, sugere-nos alguma curiosidade e simpatia,
primeiro porque não é vulgar e segundo porque encerra duas palavras que nos
poderão levar a pensar que as guerras do futuro serão feitas sem que hajam baixas.
No entanto, a leitura mais atenta de artigos e livros sobre o assunto, demonstra-nos
que a questão não é tão simples.
Existirá em muitos de nós a vontade de querermos acreditar, que numa situação
de conflito será possível combater sem matar, esta ideia é muitas vezes expressa
na opinião pública de uma qualquer sociedade desenvolvida.
Com este trabalho pretende-se apresentar as tecnologias e as correntes de pensamento
mais actuais, referentes ao emprego das Armas não Letais (ANL),
assim como o seu estado de desenvolvimento, vantagens e limitações da sua utilização
em operações militares.
Após a queda do muro de Berlim assiste-se a um maior relevo e importância dado
ás Operações de Apoio à Paz (OAP), que originaram as condições ideais para a
investigação e desenvolvimento de armas com estas características que pudessem
facilitar essas operações.
O poder político considera, a utilização destes sistemas ou a investigação no
seu melhoramento, como um bom investimento, uma vez que está em sintonia com
a opinião pública. Esta, por sua vez, tolera mal, as baixas infligidas às nossas
forças, exigindo que a tecnologia apresente soluções para resolver os conflitos
com o mínimo de perdas humanas.
A destruição do ambiente e de instalações, também são preocupações na
ordem do dia. Existe a necessidade de evitar o emprego de meios que possam colocar
em perigo não só o adversário, como toda a humanidade num futuro próximo.
Ou seja, não basta poupar a vida ao inimigo incapacitando-o momentaneamente,
os danos irreversíveis provocados no meio ambiente ou a negação ao adversário
do acesso a importantes instalações sem as destruir, são também cuidados a ter
na condução dos conflitos.
O conceito
de Arma Não Letal (ANL) não é recente. Já na Grécia antiga era usado
fumo para a protecção do movimento de
tropas. Assim como na época medieval se utilizavam corpos em putrefacção lançados
para o interior de fortalezas.
Em 1200 d.C. , um grupo de mercenários conduziu na península italiana
o que se considera como uma forma de guerra não-letal. Os seus confrontos eram
caracterizados pela ausência de baixas. Na Batalha de Zagonara, em 1424, nenhuma
morte ocorreu, devido essencialmente às armaduras daquele tempo que eram muito
superiores ao poder ofensivo das armas.
Assim, no passado, a guerra não-letal já existia, mas não se baseava no
uso de ANL; era sim o resultado da superioridade das armaduras utilizadas.
Hoje em dia, as ANL podem dar lugar à capacidade para conduzir guerras não-letais
sem que se dependa dessas circunstâncias fortuitas.
Já Sun Tzu defendia doutrina que se adapta ao conceito de ANL ao afirmar:
- De modo geral, a melhor política na guerra é tomar um estado intacto; arruiná-lo
é inferior a isso.
- Capturar o exército inimigo é melhor do que destruí-lo; deixar intactos um
batalhão, uma companhia ou um grupo de combate de cinco homens é melhor do que
destrui-los.
- Pois ganhar cem vitórias em cem batalhas não é o apogeu da arte. Subjugar
o inimigo sem lutar é o apogeu da arte.
Em 1868, é dado o primeiro passo para a legalização do uso
de armas. Assim, nesta data, o governo russo convidou a Comissão Militar Internacional
a examinar a viabilidade de se proibir o uso de certos projécteis em tempo de
guerra entre nações civilizadas.
Já durante a I
Grande Guerra (1914-1918) surge o primeiro grande palco de utilização
de ANL em grande escala através da utilização de armas químicas.
O pós-guerra fria teve uma grande influência no desenvolvimento das ANL. Desta
forma, o maior avanço neste área da guerra não-letal foi a invenção do projéctil
não letal.
Uma aplicação de novas descobertas foi em 1969, na Irlanda
do Norte, onde foram utilizadas as primeiras ANL propriamente ditas, embora
sem grandes resultados. Deste conflito ressalta a utilização de munições de
borracha e plástico, pequenos escudos, Gás CS (lacrimogéneo) e canhões de água.
A guerra do Vietname foi caracterizada pelo uso abusivo de duas ANL – herbicidas
e Gás CS -, mas este é um exemplo onde se comprova que também esta armas poderão
ter efeitos letais senão correctamente aplicadas.
E por esta razão, entre outras, em Outubro de 1993, o Secretário de Defesa dos
Estados Unidos, fez dar início no Pentágono uma série de estudos para desenvolver
este tipo de armas, com vista à sua futura utilização e aplicação.
A Guerra do Golfo também foi caracterizada
pelo emprego de uma arma que tinha vindo a surgir já alguns anos. Trata-se do
Vírus Informático, uma ANL que continua em constante evolução e desenvolvimento.
Foi também utilizado neste conflito o míssil Tomahawk, que soltava milhares
de fibras de carbono causando curtos circuitos em estações de energia eléctrica
e componentes electrónicos.
Desta vez a Somália, em 1995 – no
decorrer de uma operação de manutenção da paz – foi um grande palco da utilização
das ANL como elas existem nos nossos dias. Assim, foram utilizados, com uma
alguns resultados, projécteis não-letais (Batons de borracha, cartuchos de caçadeira
com esferas de borracha), granadas stinger (que dispersavam esferas de
borracha em vez de metal), espuma pegajosa (contra alvos humanos individuais)
e barreiras de espuma (com gás irritante).
Sendo os EUA uma das potência impulsionadoras dos desenvolvimentos a nível das
ANL e sua doutrina e legislação, em 1996 cria-se uma programa, o Non Lethal
Program do Departamento de Defesa dos Estados Unidos (DoD), lançado nesse
ano pela criação do Joint Non-Lethal Weapons Directorate (JNLWD, departamento
criado para a pesquisa e aprofundamento deste tema). Apesar deste programa ser
voltado essencialmente para o sector militar, apresenta um documento muito importante
(o DoD Directive 3000), que orienta a política dos EUA para o emprego
das ANL.
Porém, o emprego das ANL nem sempre foi, nem irá ser sempre completamente
fortuito. È necessário ter em atenção que, à medida que novas ANL são criadas
dando importantes vantagens no seu uso, também são alvo de um grande número
de precauções e de legislação, nomeadamente as Rules of Engagement (Regras
de Empenhamento).
Armas
Não Letais? – A própria utilização de palavras com sentidos antagónicos
contribui para que existam muitas dúvidas quanto ao seu verdadeiro significado.
Numa primeira análise, realizada de forma superficial, podemos ser levados a
pensar que se trata de uma série de dispositivos e inventos sofisticados, que
de alguma forma possibilitem a condução de conflitos sem que existam baixas.
Outros termos foram utilizados numa tentativa de traduzir a finalidade destas
armas como : “ menos de letais”, ” incapacitantes”, ”soft-kill”, “pré-letais”,
etc.
Quem preconiza as ANL vê-se obrigado a reconhecer a ambiguidade existente na
utilização de uma arma que não elimina o risco de ferir ou matar alguém. No
entanto, os mais conservadores argumentam que o termo não letal
só deve ser empregue quando a intenção não é matar ou provocar danos irreversíveis.
Por esta razão foram rejeitados os termos, incapacitar, ou menos
que letal, porque implicavam efeitos permanentes (como perda
de membros). Alguns argumentam que seria mais correcto empregar o termo Pré-letal,
uma vez que possibilitam uma incapacidade temporária que facilita a continuação
do ataque com armas convencionais; ou então, Pior-que-letal (worse-than-lethal)
para sublinhar o terrível trauma psicológico e ferimentos permanentes, que algumas
destas armas podem provocar, como os raios lasers quando cegam um adversário.
Ainda é possível encontrar o termo, “Armas menos mortais” numa
tentativa para abarcar todas as tecnologias que são criadas com o propósito
de controlar indivíduos ou material anulando-lhes a resistência, sem os matar.
Apesar desta indefinição aparente, o termo globalmente aceite para denominar
este tipo de tecnologias é o de Armas Não Letais, uma vez que,
mesmo tendo consciência de que a utilização destas armas não é totalmente
segura, facilita a materialização dum objectivo desejável.
Algumas das designações também empregues para definir este tipo de armas que
encontramos, durante a pesquisa, são as seguintes:
-
Armas não letais (non-lethal)
-
Armas de efeito limitado (limited effects)
-
Armas menos mortais (less-lethal)
-
Armas de morte suave (soft-kill)
- Armas pré-letais
(prelethal)
Não é simples definir o
que são ANL, como já foi referido o próprio termo encerra em si alguma contradição.
O termo não letal, quando conotado com um determinado tipo de armas,
é de fácil aceitação, se comparado com as armas letais convencionais, uma vez
que a utilização, mesmo indiscriminada, de ambas sobre militares e civis, à
partida sugere que as primeiras tenham consequências menos gravosas sobre os
não combatentes.
A perspectiva de uma nova geração de armas que poderão minimizar o número de
baixas, é em geral bem recebida pela opinião pública, já que esta se tem
insurgido frequentemente, contra as mortes e o elevado número de feridos resultantes
das operações militares. Especialmente agora, em que as acções são transmitidas
em directo pela televisão.
São três as definições que melhor enquadram o pensamento e opinião, a nível
mundial, sobre o que devem ser as ANL, no entanto, considerei que também seria
útil apresentar as contribuições de outros autores, uma vez que reflectem as
diferentes áreas de interesse que este tema suscita. Finalizo com uma definição
própria, que deve ser entendida apenas, como um mero ensaio.
A primeira, de Kokosky, define as ANL como:
“Aquelas cujo objectivo se destina a afectar tanto pessoal como equipamento,
diminuindo-lhes a capacidade no desempenho das suas tarefas, enquanto não provocam
danos colaterais.”[1]
De forma idêntica, um relatório da Rand Corporation, afirma que as ANL são:
“Sistemas que permitem incapacitar um adversário, tentando não provocar ferimentos
em qualquer dos contendores e evitando danos colaterais”.[2]
Em ambos os casos o ênfase é depositado nos objectivos e intenções, não
garantindo que alguma batalha possa ser travada sem baixas.
Talvez a definição, mais completa e detalhada seja, a apresentada por Christopher
Lamb, Director de Política e Planeamento do Gabinete do Assistente do Secretário
de Defesa para as Operações Especiais, que diz o seguinte:
“ As armas não letais são concebidas e empregues tanto para
incapacitar pessoal como material, enquanto minimizam o risco de mortes e danos
indesejados a instalações e ao meio ambiente. Contrariamente às armas que destroem
permanentemente alvos através de explosão, as armas não letais permitem que
os efeitos sejam reversíveis nos alvos e/ou possibilitem a discriminação entre
alvos e não alvos na área de impacto”
Com esta definição, Christopher Lamb, dá ênfase aos efeitos reversíveis
que se esperam das ANL, em oposição ás convencionais.
Antes de abandonar o assunto referente ás definições, torna-se interessante
apresentar também a opinião de outros autores que, afirmam existir uma diferença
qualitativa entre as armas letais e não letais, com uma implicação profunda
nas operações militares e estratégicas.
Assim, Chris Morris e Janet Morris[3],
advogam:
“ Armas não letais são armas com o propósito de obter um
domínio absoluto sobre as forças letais do inimigo destruindo a capacidade ofensiva
das suas armas e neutralizando temporariamente os seus soldados”.
Talvez ainda mais ambiciosa será a observação de John Alexandre[4],
sobre as ANL, já que coloca em questão o próprio conceito de guerra.
“Sistemas defensivos não letais são compreensíveis
e sem dúvida um precioso auxiliar nos conflitos de hoje. A defesa não letal
tem aplicação á medida que o conflito progride até provocar a paralisação estratégica
de um adversário.”
Assim podemos considerar que existem duas principais
categorias de definições, umas, concentram-se nas características das armas
que não se destinam a matar ou causar ferimentos permanentes, e outras nas suas
características operacionais, como potenciais perturbadoras dos conflitos tradicionais.
No entanto, é importante relembrar que estes considerandos são de alguma forma
especulativos e que a maioria dos analistas ainda considera as ANL como instrumentos
para uma força convencional.
[1] Kokosky, R. Non-lethal Weapons , A Case Study of New Technology
Developments, 1994, p. 369.
[2] Frost and Shipbaugh, 1994, p.
3.
[3]
Considerados por alguns autores como os grandes impulsionadores das ANL nos
EUA no início da década dos anos oitenta.
[4]
John Alexander in A Revolution in Military Affairs
Vol 48 Nº 1 Jan/Fev 1995, pp 1 – 14.